Nos últimos anos, o debate sobre a segurança no desporto português tem sido dominado por um discurso de alarme que, simplesmente não tem correspondência com a realidade das nossas bancadas. Enquanto Associação Portuguesa de Defesa do Adepto (APDA), temos de ser assertivos nesta matéria. A nossa opinião é que não vivemos um problema de violência generalizada, mas sim uma crise de percepção pública e comunicação profundamente desajustada.
A narrativa que os nossos estádios são palcos de um caos quase incontrolável tem sido amplificada, criando uma imagem profundamente distorcida acerca das nossas bancadas.
Para combater esta retórica do medo, que tem servido de muleta aos discursos de quem defende mais repressão para os adeptos, torna-se essencial olharmos para a verdade que importa para a compreensão do cenário – os números.
Os dados oficiais da APCVD (Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto) relativos ao 1º trimestre de 2025 são reveladores: 83 adeptos foram impedidos de aceder aos estádios. Desse número, 63 são de casos ligados à posse ou uso de pirotecnia.
Aqui chegados, impõe-se a seguinte questão: se aproximadamente 77% dos incidentes estão relacionados com pirotecnia, qual a percentagem de casos ligados a violência propriamente dita?
Estes números são uma prova irrefutável de que a grande maioria das sanções não tem origem em comportamentos violentos ou de risco, mas sim em situações de expressão simbólica e cultural.
Para nós, é importante sublinhar que aquilo que o sistema legal está a punir de forma mais visível, não se trata de agressão, mas sim luz e o fumo. Os números falam por si.
Apesar disso, o discurso mediático e institucional insiste em tratar estes episódios como sinais de uma crise de segurança, justificando um aparato de controlo absolutamente desproporcional.
Não podemos afirmar se foi intencional ou não, mas a construção mediática de um clima de medo em torno das nossas bancadas gerou consequências graves e muito concretas para a vida dos adeptos.
Desde logo criou desconfiança generalizada entre adeptos, clubes e autoridades. Banalizou medidas de vigilância e controlo excessivas, com restrições injustificadas à liberdade de expressão e manifestação cultural – como é exemplo o Cartão do Adepto e as ZCEAP. Desviou o foco das verdadeiras soluções, como o diálogo e a promoção da corresponsabilidade entre todos os intervenientes.
A APDA sempre defendeu uma abordagem equilibrada e proporcional à segurança no desporto.
Não abdicamos da segurança, mas recusamos a ideia de que ela só é possível à custa da liberdade e da identidade dos adeptos.
É urgente que a aplicação da do que resulta desta última revisão legislativa seja reavaliada para que, por fim, seja possível construir uma lei que respeite o adepto. Esta lei tem resultado em punições excessivas e em interpretações que confundem manifestação cultural com violência, usando a pirotecnia como pretexto para uma repressão que vai muito além do necessário.
As bancadas são um património cultural e a sua vitalidade depende da capacidade de permitir expressão, crítica e diversidade.
Artigo de João Lobo
Vice Presidente da Direcção da APDA